segunda-feira, 30 de julho de 2007

Da Irlanda para o Algarve

Leda and the Swan by W.B.Yeats

A sudden blow: the great wings beating still
Above the staggering girl, her thighs caressed
By his dark webs, her nape caught in his bill,
He holds her helpless breast upon his breast.

How can those terrified vague fingers push
The feathered glory from her loosening thighs?
How can anybody, laid in that white rush,
But feel the strange heart beating where it lies?

A shudder in the loins, engenders there
The broken wall, the burning roof and tower
And Agamemnon dead.
Being so caught up,
So mastered by the brute blood of the air,
Did she put on his knowledge with his power
Before the indifferent beak could let her drop?

A família Yeats legou à Irlanda, em particular, e ao mundo, em geral, um fabuloso espólio artístico. Desde o pai, John Butler Yeats, escritor mas, acima de tudo, famoso pintor, de que os retratos são a sua mais conhecida forma de expressão artística, ao inigualável poeta W.B.Yeats, percursor da nova poesia irlandesa, sem rima, com marcadas influências do seu grande amigo Ezra Pound, com quem era mantida correspondência assídua, de ambos os lados do oceano.

Retrato de W.B. Yeats, da autoria de seu pai, John Butler Yeats - 1906


Já o irmão mais novo de Williams, Jack Butler Yeats, sempre demonstrou maior vocação para a pintura, tal como o pai, sendo considerado o expoente dos pintores modernistas da Irlanda, tendo inclusivamente sido conotado com a escola expressionista.

Jack Butler Yeats, (Atlantic Drive), 1944, The Hunt Museum, Limerick


Jack Butler Yeats (My beautiful, my beautiful) - 1953

Da bela Irlanda levo imagens que, para sempre, ficarão comigo. Também o meu imaginário ficou mais saciado, após esta visita em que procurei aprofundar, tanto quanto possível, as raízes celtas que tanto me fascinam, a lendária e mítica história da ilha de onde Isolda partiu para casar com o Rei Marco e afinal, da sua paixão com Tristão, nasceu uma das mais belas histórias de amor da cultura Ocidental :

"Frisch weht der Wind der Heimat zu, mein Irish Kind, wo weilest du?" (Tristan und Isotte, Wagner - frase citada no poema "The Waste Land" de T.S. Elliot).

Ilha de grandiosos escritores, cuja escrita já me acompanhava, mas que agora julguei entender um pouco melhor, de Jonathan Swift a Samuel Becket, passando pelo incomparável James Joyce e por George Bernard Shaw.

Pois é, mas tenho mesmo que rumar a terras algarvias (o contraste térmico até poderá ser interessante... além do mais vou ter oportunidade de nadar no mar, finalmente. Sim, porque nesta terra não me atrevi a fazer mais do que molhar os pés nas águas fresquinhas, fresquinhas... e mesmo assim ficava com eles enregeladinhos!!!) mas a verdade verdadeira é que, embora os irlandeses funcionem com euros, como nós, os euros aqui custam bastante mais dinheiro do que em Portugal. Refiro-me aos "comes e bebes", aos alojamentos, enfim a tudo aquilo em que é mesmo preciso gastar dinheiro... sei que no algarve também não é barato, mas quem viaja de Dublin para Faro consegue ter férias muito mais económicas do que se fosse de qualquer ponto do nosso País. É triste, mas é verdade. Nem vos digo quanto vou pagar por estas férias num aldeamento "top class", com tudo incluído. Parece-me vergonhoso que um estrangeiro precise de dispender apenas cerca de 1/4 do que um portuguesinho de gema, nas mesmas condições, tem de gastar... Enfim, as injustiças desta nossa sociedade (mercado único, união europeia, livre circulação de pessoas e bens, fariam prever condições de subsistência e até de férias, - porque não? - naturalmente idênticas, não era?) MAS NÃO É!

Claro que não vou endireitar o mundo nem me vou armar em mártir, portanto, como qualquer português feito esperto, vou aproveitar, já que estou aqui!... (seria honesta, ficaria de bem com a minha consciência, etc. e tal, mas seria uma parva, e, pior do que isso, arrepender-me-ia todos os dias se não o fizesse, não é verdade?).

Amanhã vou, então, direitinha da Ilha Verde para o Algarve escaldante. Chegam-me notícias de que o calor em Portugal está insuportável, mas, apesar de não ser propriamente uma "indigente", o meu "pé-de-meia" para as férias já não me permite continuar por mais tempo neste fresco e verde paraíso, onde tive a oportunidade de conhecer paisagens deslumbrantes, enriquecer os meus parcos conhecimentos sobre a herança celta e a mais recente cultura irlandesa e, para meu espanto, descobrir que na Irlanda existem muitos corvos. A sério! E não é só à beira-mar... é por todo o campo, que é como quem diz, relembrando a amiga Bettips, countryside. Vamos por uma estrada, entre uma cidade e outra, por exemplo e, à porta de cada casa, de ambos os lados da estrada, está postado um corvo verdadeiro. Tipo cão-de-guarda... será um corvo de guarda? Adorei esta particularidade, a juntar a todas as outras que vim referindo ao longo dos posts que nesta ilha de sonho, onde o fantático e o real chegam a confundir-(se)-me, consegui arranjar algum tempo para escrever.

Talvez dê notícias da minha estadia do lado de cá de Marrocos, se me sobrar algum tempo fora de água... senão... até um dia destes, de onde voltarei ao Vento Agreste para pôr a escrita em dia, lá do alto da minha montanha.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Limerick

Combinei encontrar-me com um amigo espanhol, que também anda em viagem por estas bandas, na cidade de Limerick. Desde há muitos anos que desejava conhecer este local, por nenhuma outra razão que não fossem os poemas com o mesmo nome, que fizeram as minhas delícias desde que comecei a conhecer alguma literatura de língua inglesa e me deparei com essas preciosidades. Poemas de cinco versos, têm a particularidade de fazer com que o último introduza a surpresa e a comicidade dessa popular forma poética. Não resisto a partilhar o meu limerick preferido:

There was a youg squire from Japan
whose verses just never would scan
when asked why this was
he replied "it´s because
I always try to fit as many words into the last line as ever I possibly can"


Para minha decepção, na cidade de Limerick não nos deparamos com jovens poetas a declamar limericks nas esquinas das ruas, nem se vêem limericks grafitados nas paredes, nem as livrarias se encontram a abarrotar de livros de limericks.
É uma cidade bonita, apesar dessa lacuna imperdoável.
Ontem á tarde fui saír com o meu amigo: vagueámos pelas ruas da cidade, observámos curiosas fachadas coloridas, fortemente constratantes nalguns prédios antigos, entrámos em tudo quanto era livraria (pois claro!) e fomos visitar o famoso castelo de St. John.
Sempre entretidos na conversa, já tinha anoitecido quando nos lembrámos que não tínhamos comido nada desde a hora do almoço, que tinha sido bastante frugal, no meu caso.
Debandámos então para a zona dos restaurantes à procura de um onde pudessemos saciar o apetite que começava a fazer-se notar fortemente.
Passava um pouco das nove quando enfiámos pela principal rua onde é suposto "dar-se ao dente". Entrámos num. Surpresa das surpresas: não era restaurante. Ou antes, tinha sido até há bem pouco tempo mas, a partir das nove, tinha virado bar e só vendiam bebidas. Comidinha, que é boa, nada.
Entrámos e saímos de um segundo com a mesma desagradável mensagem: "Sorry, no food. Drinking only".
Ao fim de termos tentado uma meia-dúzia, perdi a vergonha e, no último restaurante onde entrámos, perguntei a uma jovem irlandesa com ar simpático se não nos arranjaria, pelo menos, um pouco de pão para comer. Ela sorriu, com ar de quem poderia fazer a sua boa acção do dia e dirigiu-se para a cozinha. Foi com um sorriso idêntico que voltou, mas com uma informação terrível: "So sorry, I just thought there was some bread left but... someone must have taken it home. Sorry..." e fez um barulhinho com a língua no final como quem diz "coitados, tenho mesmo pena de vocês".
Desalentada, disse ao meu amigo que ía para o bed and breakfast onde estava hospedada e que talvez aí me safasse com o room service. Imediatamente ele me tirou as peneiras: "aqui não há disso, menina. Se queres comer, vais ter que esperar pelo desayuno, amanhã bem cedo."
Sentei-me numas escadas, desesperada com fome, prestes a gritar de raiva. Foi então que o Nacho (ah, esse é o nome dele, ainda não tinha referido) me disse: "sabes que uma pint guiness equivale, em termos calóricos, a um bom bife com ovo a cavalo?" Respondi-lhe, com um sorriso amargo: "no me digas tonterías, hombre".
A verdade é que ignorou a minha displicência, me pegou no braço e me arrastou até ao pub mais próximo. Sentámo-nos ao balcão e começámos por pedir, como é óbvio, "two pints Guiness, please". A cerveja soube bem. Sou fã, como sabem, mas quando cheguei ao fim do primeiro copo continuava a sentir o estômago a reclamar por matéria sólida - comida, mesmo. Queixei-me e imediatamente o meu companheiro de infortúnio pediu mais duas.
Assim continuámos, noite dentro, com algumas idas ao wc para "desbeber". Às tantas, já ríamos por tudo e por nada e tínhamos acabado por esquecer o apetite devorador.
Foi amparada pelo Nacho que reencontrei o caminho para o meu alojamento. Despedimo-nos, com muitos abraços e beijos e risadas, subi ao quarto, e caí "redonda" na cama.
Hoje, às sete da manhã já estava a pé, à porta da sala-de-jantar, esperando ansiosamente que a dona da casa viesse servir o pequeno-almoço. E com que magnífica refeição me presenteou: um típico irish breakfast onde não faltavam as salsichas, o bacon, o feijão, o ovo estrelado, as batatas fritas e sei lá que mais... se alguma vez me tinha passado pela cabeça comer feijão às sete da matina!!! Ai, ai, se a necessidade aguça o engenho, não há como uma barrigada de fome para acabar com as esquisitices... ha, ha, ha... (ainda não consegui parar de rir. O efeito da Guiness dura e perdura!).
Até breve. (ha, ha, ha, ha, ha...)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Irlanda - frente a frente com os mitos


No meu post "ganhar asas e voar", de 10 de Junho passado, escrevi: "O primeiro sítio onde vou parar há-de ser um que tenha mar... muito mar... quero tanto sentir esse cheiro meu desconhecido que é o da maresia... e dormir ao som das ondas que se desfazem na areia, ou que embatem contra as rochas... . Também gostava de estar numa ilha. Ter a sensação de estar rodeada de água por todos os lados deve ser maravilhoso, inexcedível de prazer... bom, para mim, por enquanto é apenas indescritível, faz parte do meu imaginário desde criança. Esperemos por esse dia..."

E esse dia chegou. Aterrei na Irlanda e fiquei frente a frente com os meus mitos da infância: o do mar, o de estar numa ilha, o de ir à Irlanda procurar os duendes e fadas das histórias que a avó me lia, perder-me em bosques frondosos e encontrar dragões a guardar castelos como os que ela descrevia nas aventuras que contava.

Dublin vista do ar é uma cidade muito bonita. Com toda aquela baía que a abraça. Em terra é uma capital, como imagino que sejam muitas outras, mas com peculiaridades bem ao gosto dos "Dubliners". Lembro-me que, quando li os contos de James Joyce e, mais tarde, vi o filme de John Huston com o mesmo nome, tudo me pareceu sombrio e, até, algo deprimente. Ficou-me desde então a ideia de que o povo que habita aquele sítio ainda hoje assim seria. Nada disso. Dublin é êxtase de vida. De boa comida, de boa bebida, de quotidiano leve e fresco. Fiquei apreciadora da beleza particular do local, da simpatia das gentes, mas, acima de tudo, perdoem-me a momentânea ausência de delicadeza de sentimentos, dos extraordinários petiscos e da inigualável cerveja Guiness...



Desde ontem que estou em Galway, uma estância turística por excelência, com nada mais nada menos que sete lindíssimas praias com bandeira azul. Numa delas, a praia dos Corais, a areia é mesmo formada por mínúsculas partículas de corais que a erosão foi reduzindo, ao longo dos anos, à condição de areal relativamente confortável aos pés. Já a água é uma dor de alma... tão límpida, tão convidativa, mas tão GELADA! Daí a elevada afluência de banhistas que se pode comprovar na fotografia abaixo - em pleno Julho, pico da época balnear!... vá lá, não se riam, disseram-me que há alguns bravos irlandeses que, de longe a longe, vão dar umas braçadas.


Já nesta praia, uns quantos turistas mais afoitos andam na areia, saltitam pelas rochas e até se atrevem a penetrar nas gélidas águas (com fatos impermeáveis ou isotérmicos, nalguns casos, mas não deixam de fazer honras à sua bela praia, limpa e saudável, que orgulhamente ostenta a dita bandeira azul da União Europeia).


No fim de um dia inteiro de excursão pela costa junto a Galway, nada melhor, para terminar a jornada em beleza, do que um relaxante passeio a bordo do "Corrib Princess", um iate turístico que atravessa a cidade de Galway navegando nas calmas águas do rio Corrib. Com sorte, é-nos oferecido um lindo pôr-do-sol, acompanhado por uma brisa um tudo-nada fresca, que aconselha a descida do convés à zona coberta da embarcação, de onde continua a disfrutar-se uma paisagem de encher as medidas a qualquer visitante.