domingo, 27 de maio de 2007

Da vida das flores


Hoje apetece-me escrever sem parar. Sinto formigueiros nas pontas dos dedos que me impelem, com fúria, para as teclas. Tenho tanto para dizer e o tempo parece-me tão curto! A vida pode ser muito rápida, passar num instante e revelar-se insuficiente para tudo o que quero fazer. Sei que sou nova e tenho que aprender a ser mais paciente, mas mesmo os novos podem não ter muito tempo de vida à sua frente. Sei-o de fonte segura, da pior maneira, através da constatação da morte de amigos da minha idade, com tantos sonhos por concretizar, tantas viagens por fazer, tanta gente por conhecer, tantos projectos por realizar, tanta vida por viver!
Há pouco, dei por mim a olhar uma carroça que passou, por um carreiro da montanha, ajoujada de flores campestres, flores que despontam naturalmente, de forma cíclica, na primavera de cada ano, e pensei qual o destino de tanta flor bonita amputada, roubada à sua vida de flor, exclusivamente dependente da terra, do sol, da chuva, do vento. E se uma flor, enquanto ser vivo, também tivesse aspirações, desejos, sonhos, nem que fosse o de permanecer na encosta, até ao fim da primavera, e deixar-se sentir, fruir com prazer de flor, cada raio de sol, cada pingo de chuva, cada sopro de brisa? Isso faria de quem as apanhou um assassino cruel. Não, não posso pensar assim.
Se houvesse alguma possibilidade de existir sensibilidade no reino vegetal, as divindades
não permitiriam que se oferecessem flores nos aniversários, em gestos amorosos, ou como última homenagem a um ente querido que parte... (hum... à excepção das impiedosas Moiras, da mitologia grega, ou das Parcas, da romana, que também pertencem ao grupo. Estava a esquecer-me dessas, é verdade, que cabeça a minha!).
Bem, vou apressar-me a fazer qualquer coisa, das muitas que pretendo, antes que a Morte chegue e me arranque pela raíz, ou me ceife pelo caule, com a sua foice implacável!

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Um Meme

Agradeço à Graça Pires, do Ortografia do Olhar a simpatia por me ter incluído nesta corrente.

O Meme (*) escolhido:

Excerto de "Fragmentos de um Discurso Amoroso"
de Roland Barthes

"A linguagem é uma pele: esfrego a minha linguagem contra a do outro. É como se tivesse palavras de dedos ou dedos na extremidade das minhas palavras. A minha linguagem treme de desejo. A emoção resulta de um duplo contacto: por um lado, toda uma actividade de discurso vem acentuar discretamente, indirectamente, um significado único, que é "eu desejo-te", e liberta-o, alimenta-o, ramifica-o, fá-lo explodir (a linguagem tem prazer em tocar-se a si própria); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, acaricio-o, toco-lhe, mantenho este contacto, esgoto-me ao fazer durar o comentário ao qual submeto a relação.

(Falar apaixonadamente é gastar sem termo, sem crise; é manter uma relação sem orgasmo. Existe talvez uma forma literária para este coitus reservatus: é a afectação.)"

Agora os seis nomeados (todos do género masculino, só agora reparo na coincidência) para darem continuidade (ou não) a esta corrente, facto que fica ao critério de cada um, naturalmente:

Antecipadamente grata, desculpem qualquer coisinha... ;)

(*) Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre:
Um meme, termo cunhado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller controverso O Gene Egoísta, é para a memória o análogo do gene na genética, a sua unidade mínima. É considerado como uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros) e outros locais de armazenamento ou cérebros. No que respeita à sua funcionalidade, o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma. O estudo dos modelos evolutivos da transferência de informação é conhecido como memética.
Quando usado num contexto coloquial e não especializado, o termo meme pode significar apenas a transmissão de informação de uma mente para outra. Este uso aproxima o termo da analogia da "linguagem como vírus", afastando-o do propósito original de Dawkins, que procurava definir os memes como replicadores de comportamentos.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Papoilas Ondulantes


Maio. Mês das papoilas. Papoilas ondulantes ao vento. Este vento agreste que nem em plena Primavera nos abandona. Apetece rebolar nos campos repletos de papoilas. Não o faço porque os estragos seriam muitos. Após a minha passagem, ficaria um rasto de papoilas dobradas, amachucadas, mortas. Não quero isso. Contento-me em olhá-las. Assim, tenho a garantia de não as molestar e poder deixá-las continuar a oferecer-me o espectáculo da sua beleza durante o tempo possível.
Esta manhã fui passear por um vasto campo de papoilas. Era um imenso tapete, um manto sem princípio nem fim. Algures, no meio, surgiu uma clareira. Deitei-me nela. O meu corpo estendido, completamento descontraído, em contacto directo com a terra. Eu era uma ilha num mar de papoilas. Deixei que o cheiro da terra me penetrasse as narinas, me irrompesse através da pele e alcançasse o mais íntimo de mim. Imaginei que o chão era o meu amante e o vento que, rentinho, passava por mim com suavidade, me acariciava como ele o teria feito. Uma aventura telúrica. Como testemunhas do meu prazer apenas as lindas e doces papoilas.
Quando se vive num ermo, simultaneamente selvagem e puro, a aspereza da terra chega a parecer meiguice. A mente deixa-se invadir por sonhos, como por cavalos a galope, e o corpo, o corpo acaba por sentir o que o imaginário quer que seja sentido. Hoje fui uma mulher muito amada e amei profundamente. Depois do turbilhão de emoções, de ter sido assaltada por uma enxurrada de sentimentos voluptuosos, voltei para casa com a leveza de quem tinha sabido o que era o amor físico, mesmo que tudo se tenha passado só entre mim e a natureza.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Disse-me um passarinho

Disse-me um passarinho que a vida não é só tristeza. Que há lugares de alegria, onde as pessoas cantam, dançam e riem, com gargalhadas autênticas, sonoras, soltas de dentro para fora. Que há cidades onde o quotidiano, de tão preenchido, pode parecer alucinante, a quem chega de um sítio calmo e sereno como este em que habito. Que, por vezes, as pessoas que vivem nas grandes cidades passam o dia a corrrer, de um lado para o outro, de casa para o trabalho, no trabalho a trabalhar, do trabalho para o restaurante, do restaurante para o cinema, do cinema para o bar, do bar para casa, onde dormem escassas horas para, no dia seguinte, recomeçarem no mesmo vai-vém de loucos. Que algumas pessoas, nas cidades, ganham muito dinheiro e logo de seguida o gastam, sem dar por isso, e ficam cheios de dívidas, mas continuam a viver como se fossem ricos, livres e despreocupados porque logo, logo, voltarão a ganhar muito dinheiro, que poderão gastar a seu bel-prazer até voltarem a ficar cheios de dívidas. Sempre com ar de ricos, felizes, como se a vida não fosse senão isso. O passarinho disse-me que isto não é tristeza. Eu achei triste. Gosto da parte da música, da dança, das risadas despreocupadas, noite fora, como se os tempos difíceis nunca estivessem para vir e a morte pudesse ser permanentemente adiada. Agora, aqui para nós, que temos cabecinha para pensar, não será tudo isso ilusório? Uma vida de faz-de-conta encenada até ao dia em que termina... e afinal o que fica, depois de tudo acabado? Um frenesim sem-sentido. Um nasce-vive-morre sem estória. Se isto não é triste, o que será?
Disse-me um passarinho que a vida não é só tristeza. Acredito, a sério que acredito. Não me parece, no entanto, que seja nessa balbúrdia das grandes cidades que mora a verdadeira alegria. Não, disso não me consegue ele convencer. Vou continuar a ouvi-lo a ver se percebo o que ele quis dizer para além do que disse. Talvez não me tenha dito tudo. Talvez a intenção seja essa e nunca me chegue a dizer tudo, para que eu tenha de demonstrar esforço e, pelos meus próprios meios, descubra o segredo da alegria. Da alegria fora daqui, bem se vê, porque esta conheço eu bem. Não me chega, eu sei. Não me contento com a alegria que conheço e que deverá ser ínfima quando comparada com a tal alegria que o passarinho diz existir. Duma coisa tenho a certeza: vou continuar a procurá-la, ai isso vou!

segunda-feira, 14 de maio de 2007

O mar


Gostava de um dia ver o mar. Tenho lido que não há grandeza que se lhe compare. Dizem mesmo que este planeta que nos acolhe é constituído por uma massa aquática muitas vezes superior à terrestre. Ouvi contar aos anciãos que, lá mais para sul, há muita água. Tanta que se perde de vista. Não um ribeiro, ou um rio, mas dessa água imensa a que chamam mar e que faz parte de um oceano. Depois, como a terra é redonda e os continentes são como grandes ilhas, há quem afirme que os oceanos estão todos ligados entre si e que, no fim das contas, acabam por ser um único. Conta-se que a vastidão desse mar é tanta que as embarcações que por lá navegam (com os mais variados nomes, formas e dimensões) têm que ser avisados, através de faróis que existem em terra, de que o líquido em que se deslocam termina abruptamente, aqui e ali, numa falésia rochosa ou numa praia de areia macia e dourada, para que não embatam furiosamente ou fiquem encalhados, sem saída. No outro dia, encontrei uma fotografia de uma casa num penhasco com uma torre, do alto da qual parece ser emitida uma luz. Imaginei logo que fosse um farol. O que me vale são estas imagens, as quais vou colando à minha imaginação e, pelo menos para mim, fazem sentido. Mas lá que gostava de um dia ver o mar, gostava.