domingo, 30 de setembro de 2007

Regresso a Casa


Agora que já assentei e tomei consciência de que estou de volta, concedo-me um tempinho para vir aqui e contar como foi regressar à minha montanha, à minha casa onde, pela primeira vez, retorno e não encontro os braços abertos da minha avó, prontos para me apertar bem contra ela e me cobrir de beijos.


Felizmente fui buscar o Nanu no caminho para casa. Entrámos, assim, os dois no nosso canto, a fazer de conta que a solidão não existe, como se sempre tivesse existido este vazio imenso deixado pelos que foram partindo para sempre.

O Nanu está óptimo e não parece ter sentido muito a minha falta. Nem sequer se manifestou de alegria quando cheguei a casa da Teresa para o ir buscar!!! Também não me rejeitou, o que não foi mau, tendo em conta que, segundo a minha amiga, se integrou perfeitamente em casa dela e estabeleceu sérios laços de amizade com os gatos que lá habitam. Principalmente com a Kika, por quem deve ter tido uma paixoneta... coisa passageira... coisa de bichos felinos! Quando chegou a casa já a reacção foi bem diferente... correu para a sala onde tem o seu cesto e se encontravam todos os seus pertences (bonequinhos de peluche, a sua mantinha, a almofada fofa e cheirosa como nenhuma outra). Enroscou-se e logo começou o "ron-ron", sinal inegável de que, finalmente, tinha encontrado a sua casa, estava a salvo dos perigos do mundo e podia dormir o sono dos justos. Noite fora, veio ter comigo ao quarto e saltou para a minha cama. Ajeitou-se à procura de um contacto comigo, através da roupa, e, tendo encontrado uma perna, a ela se encostou e retomou o som de regozijo. Se eu soubesse fazer "ron-ron" teria feito coro com ele, de tão feliz que fiquei por ele me ter procurado. Agora sim, tudo estava no seu lugar: ao reencontrar o seu aconchego, o Nanu fez-me reencontrar o meu.

A Serra está linda e com os primeiros sintomas de Outono. Nas (poucas) manhãs ou tardes livres, tenho vindo para o jardim, sentar-me a ler no meu banquinho de sempre. Felizmente o vento não se tem feito sentir e o harmonioso conjunto de buganvílias e hibiscos floridos, de variadas cores, apazigua-me a alma, conforta-me e faz-me sentir que pertenço a este lugar, por muitos outros que venha a conhecer (e a amar) ao longo da vida.

No hospital esperavam-me responsabilidades acrescidas e maior volume de trabalho. Tudo bem! Dêem-me condições que eu enfrento tudo com alegria e vontade!... Tive que deixar para trás os Centros de Saúde, tendo ficado apenas com duas manhãs de consultas na aldeia próxima de casa, onde fiz a escola primária e com a qual tenho maiores ligações afectivas.

O Pedro, meu namorado de há algum tempo e que o foi até eu ir de férias, conseguiu transferência para o Hospital de S. João, no Porto. Curiosamente, ou, talvez, expectavelmente, não sinto a sua falta. Tenho tanto com que me ocupar e, nas longas férias que finalmente tive, aprendi algumas coisas sobre os sentimentos que nos ligam às pessoas em diferentes situações. Não, decididamente, ele ainda não era o "Amor da minha Vida". Será que toda a gente tem um?


Termino com esta interrogação, para a qual poderei nunca vir a encontrar resposta.
Uma coisa é certa: sei o que é gostar de alguém, apreciar a sua companhia, fruir o tempo passado a seu lado.


Tanto me basta, por agora.


25 comentários:

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Devo andar distraído. Dezassete de Setembro não foi já há um porradão de tempo? Creio que sim, mas ainda há pouco, muito pouco tempo o post não estava lá. Imagino que a minha amiga Mafalda o tenha criado nessa altura e deixou para mais tarde a sua conclusão. Imagino o que não se deve ter passado entretanto: confusões, não foi, Mafalda?

O gato foi um dos pequenos arranjos do período pós-vacancional. Também me sucede o mesmo. Aparecem-me todos com um ar de quem me viu ontem pela última vez, a espetar-me na cara, frontalmente, um "pensas que senti a tua falta?" cheio de orgulho. Depois cheiram a comida que lhes ponho e vão dar uma curva ao bilhar grande e voltam para te amandar ao focinho, arrogantemente, um "pensas que precisei da tua comidinha?. Convem então não os ofender em demasia. Os meus, que são selvagens, arrogam-se o título de eméritos caçadores. Outros, mais urbanos, sabem manipular os tratadores onde quer que vivam, mesmo em estadias de empréstimo.

Terminada a liturgia da recepção numa de má onda, não há gato digno do seu nome e da sua natureza que, passado o tempo conveniente, não inicie o ritual da aproximação: os toques, os roçansos, algumas unhadelas, um miar disfarçado e, maravilha das maravilhas, o ronronar.

Coisa maravilhosamente taumatúrgica, o ronronar! Sabes que faz descer a hipertensão arterial? Juro! É que até já experimentei levar o esfigmomanómetro para o pátio e confirmei que a coisa resulta mesmo. Uma vez acordei à sombra de um sobreiro cheio de gatos em cima de mim. Tinha-me deixado ali ficar após um período inicial de relaxação. Que bom!

Deu para perceber que eles não precisam de nós; nós é que precisamos deles.

Já tentei fazer-lhes uns traços no papel mas não consegui. Uma coisa é esquissar uma primaveril figurinha boticelliana, outra coisa é imprimir vida ao movimento felino. Vou-me contentando com as fotografias. Infelizmente sou pouco dotado para esse ramo da representação.

Admirei no teu post as tuas fotos que creio serem do teu Alentejo. Fiquei espantado: não consigo imaginar o Alentejo senão representado por uma linha horizontal com um esboço de chaparro numa das pontas. É o Guadiana? Não me espantava que não fosse: conheço tão mal o Alentejo!

Na esporádica solidão de Ribatejo, agora agravada pela monotonia chuvosa e baça da luminosidade, também gosto de me sentar na mesa de pedra do meu bosque a ler, a teclar e a dormitar. Vou passar a escutar o vento a saber se traz notícias da serra alentejana.

Leio deliciado os comentários que fazes sobre os amores da tua vida ( o Pedro não é o asturiano, pois não?). Não é que queira pisar a tua privacidade, mas aprecio a franqueza com que falas dos teus afectos e de como os comentas. Acho que tens razão: o que é importante é fruir cada momento que se faz encontro. A nossa vida é um mapa com milhares de traços que nos ligam a pessoas, lugares e épocas. Bem! O grande amor talvez faça sentido. Mas é algo que tem que ser definido, ou inventado, a cada momento; e é também algo que só se revela com a idade - quando precoce, é sobretudo o desejo de amar.

E agora não comento mais. Fico à espera do teu próximo post.

Beijinho.

Graça Pires disse...

Sabe bem regressar. A casa, a família, os afectos são aquilo que conta por mais voltas que queiramos dar. Um grande beijo e felicidades Mafalda.

mafalda disse...

Caro Perdido,

Quem anda distraída sou eu. E tens razão, tinha iniciado este post no dia 17 de Setembro mas só ontem tive oportunidade de voltar ao blogue.
Gosto da forma como falas dos gatos e imagino que a tua relação com eles seja qualquer coisa fora do comum... eu também sou uma "cat lover" e fico deliciada a ler o que sobre eles dizes.

Pois o Pedro não é asturiano, não senhor. É bem portuguesinho e era meu colega no hospital. Durante a minha ausência, pirou-se. Fez bem.
Aquilo não era terra para ele. O Porto é um mundo, "carago", até já se deve julgar noutro país. Além do mais, era lá que ele tinha feito os estudos e havia, naturalmente, um "bichinho" dentro dele a chamá-lo para a "civilização". Isto de se ser médico de província exige muita dedicação e gosto pelo sítio, pelas gentes, e uma grande dose de paciência para suportar e conseguir suprir as condições deficientes ou, no mínimo, insuficientes. Quando deixamos de nos sentir bem onde estamos, o melhor é "zarpar" mesmo.
Não me sinto responsável pela repentina mudança na vida dele. Possivelmente até o ajudei, indirectamente, a encontrar o que realmente o satisfaz. Ironias do destino!...

Quanto ao meu alto do monte não é no Alentejo, é um pouco mais acima... e o rio não é o Guadiana mas sim o Tâmega.

O meu namorado asturiano, de que falei noutro post, data dos meus tempos de jovenzinha, na Faculdade do país vizinho e, nesse texto, a propósito (mais uma vez) da sempiterna questão do amor, fiz uma viagem às minhas memórias dessa fase da minha vida. Chamava-se Juan Maria, o charmoso estudante-de-medicina-dançarino, e vai para mais de dez anos que não o vejo. (Para recordar a estória, se te aprouver, desce até ao post "o amor, o amor").

Vou visitar-te em breve. Até lá, um beijo amigo (e um arremedo de "ron-ron"... ;))

mafalda disse...

Obrigada, Graça. Também irei visitar-te em breve. Um beijo repleto de carinho.

P disse...

O amor da nossa vida... Eu penso que se constrói, também, além da chama, da paixão, da química toda e da alquimia que alguém pode produzir em nós. Sinto isso com a minha mulher. Todos os dias reafirmamos a vontade e o desejo, actos que alimentam a possibilidade de magia e de algo duradouro. Enfim... a verdade é que seremos sempre um mistério, até para nós próprios e haverá, seguramente, quem tenha mais vontade, carinho e paixão para querer vir ao noso encontro. Se calhar, será esse(a), se calhar, valerá a pena esperar, atento
Um abraço e adorei o seu post!
P.

Maria disse...

O retorno a casa é sempre um conforto para a alma, mesmo q o tempo q se passou fora dela tivesse sido o melhor dos tempos, há sempre uma pequena réstea de saudade que lá no fundo nos chama para a nossa toca. Quanto ao Nanu - e como bom gato que se preza - depois do nariz empinado inicial como que a dizer "tb não tive saudades, não senhor" vem o carinho e o ron-rom que tão bem nos sabe. Adorei aquela descrição do Perdido sobre os gatos. Não sabia q eram um bom remédio para a hipertensão! Tenho q me pôr a pau: já tenho a tensão baixa! e agora com dois gatos cá em casa, qq dia desapareço :-)
Beijo grande para ti e um bom recomeço de trabalho.

Anónimo disse...

Bem vinda a casa.
também sei o que é voltar e não encontrar a avó.

Minha querida, toda a gente tem um, mas não é fácil de encontrar e menos fácil ainda de guardar.
Não te apresses.
o importante é teres a noção de que ainda não é, ou, que já é.
fazer confusão entre estes estados é que pode ser doloroso.


beijinho

Nilson Barcelli disse...

Despachaste o Pedro para o Porto...
Ainda vais sentir a falta dele.
A menos que tropeces em alguém que te vire do avesso...
Beijinhos.

mixtu disse...

Dra,
De serra para serra,
Esse abraço de avó quedará sempre na sua memória... curioso que vivemos, nós e a nossa vontade (lembrando baltasar e blimunda) se por cá quedar alguém que nos recorde... e eu que nunca conheci a tua avó... falo nela...
um ventinho... sempre que soprar um ventinho.. é a tua avó

O nanu, cá em casa, h´ao bruto (XVIII), nunca houve gatos com outros nomes... curioso não penses que és dona dele, os gatos é que escolhem as suas pertenças, qer sejam rés ou gente...

o amor da tua vida, o pedro... claramente que vai... e não queda por aí feito melga, esse é claramente o homem da tua vida, conselho de amigo: se ele não voltar, escolhe um pastor... que não são melgas, yaya

É curioso que ele, o Pedro, ligou-me: Pastor, que achas, leste o post que a minha "faldinha" escreveu? foi para os copos na Irlanda com um espanhol, eu disse-lhe, dá-lhe liberdade, o que for teu, será teu..., respondeu-me, não... não aguento, prefiro sofrer longe da minha "mafa", vou para o Porto e de lá vou para o degredo... se quedou a trabalhar lá... é porque um dia quer voltar...
Fui... amanhã, levantar cedo, os animais não escolhem hora para blogar... yaya

mixtu disse...

beijo transmontano: nas escadarias... um beijo na face, a menina de frente para a mãe que queda na janela... as mãos dela estão quedas... já o do moçoilo... são livres... a mãe não tem ângulo de visão... mas de vez em quando ela sente arrepios, a mãe julga que é do frio da serra, Trás-os-montes, terra fria...
abrazo europeo

Cusco disse...

Olá! Na casa da minha avó também havia um banquinho na rua, onde eu lia…
De vez em quando vou até lá…Sento-me a ler as estrelas e a traduzir o silêncio e sinto ronronar pelas pernas as palavras da avó!
Beijinhos desde um banquinho algures na serra Algarvia!
Até breve!

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Prometi que só viria no PP (próximo post, entenda-se) mas duas razões me acudiram para me antecipar:

1.º - Tarda o PP
2.º - O ronron baixa aos hipertensos (se a natureza for justa e equilibrada há-de levantá-la aos hipo).

B&A (Beijos e abraços, entenda-se).

Rosa dos Ventos disse...

Moras num sítio espectacular e com um companheiro que te adora!
Agora que o tempo vai resfriar prepara-te para muitos ron-rons mesmo junto aos teus ouvidos.
Não lhe dês ouvidos...os gatos são uns abusadores!
São como os namorados, julgam-se imprescindíveis... ;-))

Abraço

Maria disse...

Bom regresso a casa, finalmente!

"Não, decididamente, ele ainda não era o "Amor da minha Vida". Será que toda a gente tem um?"

Se não o sentes, um dia irás sentir o que é o Amnor da tua Vida, Mafalda....

Beijinho

carteiro disse...

Um regresso a casa é sempre um assentar de ideias, sentimentos e todo um vasto número de outras coisas. Acho que qualquer um de nós se imagina a fazer "ron-ron" ao ler as tuas palavras de felicidade com o Nanu :)
Esta minha aldeia não é bem numa serra ou numa montanha mas ainda assim sinto e percebo o conforto de que falas e o pertencer a um lugar por muitos outros que possam surgir.
Pessoalmente, também não sei responder à pergunta que nos deixas... não sei se toda a gente tem um amor assim. Acredito que muitos possam demorar algum tempo a descobri-lo, mas isso é longe de ser uma resposta. E espero, do fundo do coração, que venhas a encontrar uma boa resposta a isso. No fundo, essa coisa que te é certa e que já sabes é algo que muita gente não chega sequer a descobrir, e então esse já é um grande passo!
Tem um bom fim-de-semana, cheio de harmonia que esse vento eventualmente te traga :)

Nilson Barcelli disse...

Como nem escreves, acho que já tropeçaste mesmo noutro.
Algum estagiário, por certo...
Bfs, beijinhos.

APC disse...

Belíssima narrativa de retorno, com a brisa e o aroma da serra...
É... Há aquilo e aqueles que nos faltam tanto e sempre em todo o lado onde vamos. E há aquilo e aqueles que nem tanto. E há essa diferença, que fala por si.
Bem regressada sejas! :-)

jorge esteves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jorge esteves disse...

Regressar é assim como uma bola de sabão ao sol, um sorriso pela manhã, um pão quente barrado de manteiga fresca, um caneco de barro com água fresca numa tarde de estio, um...
... regressar é (quase sempre) bom!
Abraço (mesmo que entenda por que não entendes que eu entendo)!

jorge esteves disse...

Vim ver se o teu Norte ainda é a Norte ou se mudou para outros lugares...
Abraço.

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

O PP está de gravidez prolongada?

Simples curiosidade.

Beijinho.

Besnico di Roma disse...

Olha !... ou é da minha vista ou esta serra é a do Gerês ?!... Será?
Pobre Pedro… e mais não digo. Mas quando encontramos o ou a tal, o choque é tão forte que sabemos logo que… está ali a nossa “desgraça”. Mas o pior é que muitas vezes o “clik” de um não é o “clik” do outro… alguém terá de ser menos feliz para dar felicidade ao outro.

Bichodeconta disse...

Lugar lindo onde está enraizada, e onde voltou em tão boa companhia... Lindas as fotos... Um abraço

Luís disse...

Têm sido ricos os últimos tempos :)

Quanto ao parágrafo sobre o "amor da vida", gosto de pensar que todos temos um: "maybe not today, maybe not tomorrow, but one day and for the rest of your life"

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Incomoda-me tanta ausência. Há algum problema? Falta de tempo ou paciência? Outros interesses mais altos?

Ao menos um "olá a todos. Estou bem e voltarei quando me apetecer".

Um admirador
perdido de admiração.