quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O meu amigo está doente

"O Grito", de Edvard Munch

Tenho muitos amigos doentes. Por outro lado, muitos doentes são meus amigos e eu sou amiga de todos os meus doentes.

Mas neste caso é diferente: tenho, mesmo, um AMIGO doente. Ou antes, o meu AMIGO está doente. O pior de tudo é sentir-me impotente para fazer com que ele deixe de o estar. NÃO, digo eu, em silêncio, em voz alta, em quase desespero permanente, não ele, não o meu amigo... por favor, pergunto-me inquieta, desolada, numa amargura profunda, o que posso fazer para ajudar?

Não quero ter como resposta que não há nada que eu possa fazer. Há-de haver, sem dúvida, algo com que eu possa, de alguma forma, contribuir para que a dor de se saber doente não o torture, para além de lhe aliviar a dor física tanto quanto me é possível. Já fiz de quase tudo: li-lhe versos de Álvaro de Campos, cantei-lhe ao ouvido músicas doces e ternas, tentei fazê-lo rir com memórias de divertidas aventuras passadas juntos, dancei para ele ao som de uma música tradicional das Astúrias, abri o velho piano (um tanto ou quanto desafinado) da avó e interpretei, no que tentei ser o meu melhor, Diana Krall. De vez em quando, consigo que lhe aflore ao rosto um sorriso. Isso é, para mim, felicidade! Infelizmente, dura pouco... muito pouco. Logo, logo, estou sentada à sua beira, a afagar-lhe a testa e o que resta dos seus cabelos, outrora sedutoramente fartos e negros. Beijo-lhe os olhos, seco-lhe os suores e as lágrimas e digo disparates "tonterías, si...", rimo-nos, então, os dois, por um momento, damos as mãos, apertamo-las como se pela primeira vez, e os nossos olhos interpenetram-se até sentirmos que conseguimos atingir a alma um do outro.

O meu amigo está doente. Sou médica, sou humana, sou amiga. Infelizmente não possuo poderes divinos. Noite após noite dou comigo a perguntar: poderá algum deus, se existir, fazer o que não consigo? E. mesmo não sendo crente, será que se eu pedir aos deuses todos, ou a um de tantos que há para escolher, para libertar o meu amigo desta doença, ele me ouvirá?

De retorno, oiço o silêncio. Apenas. Pelos vistos, não há respostas para perguntas que não se podem fazer...

13 comentários:

Maria disse...

Impotente estou para escrever.
Deixo-te um abraço apertado...
... e um beijo

Rosa dos Ventos disse...

Vais ver que é libertado...pela morte!
E se está a sofrer muito, mais vale.
Foi assim que aconteceu ao meu filho!
Dá uma raiva!

P disse...

O teu amigo estará confortado por saber que tem uma amiga assim. Mexeu muito comigo ler este teu texto. Estás a partilhar a sua dor e paira no ar a despedida. Tudo o que fazes é povoar o coração do teu amigo com o teu melhor, deixar que os seus olhos se fechem, ao adormecer, e fique a certeza de que a amizade e o emor existem. É lamecha, o meu comentário, mas... foi que que me apeteceu. É sempre tão doloroso ver impotente o sofrimento do outro...
Abraço e muita coragem.
P.

carteiro disse...

não sei o que dizer-te...
deixo-te um abraço forte.

Graça Pires disse...

É difícil para ti. É difícil para ele. Comovi-me ao ler o teu texto.
Um grande beijo.

Anónimo disse...

Não passei ainda por isso.
Todos morrem de ataque cardíaco.

Mas para uma pessoa que sofre, e está assim doente, nada melhor que o teu amor.

Sentir-se mimado, não vai esquecer.

Mas, se há coisa que sei que gostaria que me fizessem, um dia se isso me acontecer, é que me dêem a oportunidade, os amogos, o ,meu amor, de poder dizer da minha tristeza das minhas dores, do meu desespero de ter de me ir embora.
Talvez seja isso o mais importante, poder falar do que vai no pensamento, do que vai na "alma".
Se disser que vai morrer, ouve, em vez de dizeres que disparate.

Comigo, é isso que peço aos céus, de não sei quem.

Beijo

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Numa situação destas não vale a pena tentar dizer coisas muito "inteligentes". A doença, sabe-lo bem, não é uma coisa boa: tem o sabor do sofrimento e o cheiro da morte. Do ponto de vista dos sentimentos é revoltante, chocante, absurda. Se é ligeira e passageira, a doença poderá ser aceite com alguma resignação. Adoecer, tomar um xarope, uma tisana e ir para a cama, pode ser uma bênção para fugir ao tédio das vidas rotineiras ou estressantes.Quando a doença é um comboio de ida sem volta, gera-nos uma acidez cáustica no abdómen. Já tive vários amigos a irem-se assim, às vezes lenta e dolorosamente. É tanta a tristeza que o choro nem sai.

Para o nosso amigo é importante continuar a cantar e a dançar. Por muito tautológico que seja, estar vivo é estar vivo. E cada minuto conta. (O que é a vida senão o tempo que nos é dado a cada instante?). Oiço com muita frequência o Jacques Brell e o António Variações: ambos cantaram maravilhosamente a consciência da sua própria morte. Com uma beleza ímpar. Viver cada minuto como se a vida se reduzisse a um minuto. Minuto a minuto enche a vida o papo.

Os deuses não contam: eles são mas não vivem. Nunca nos compreenderão. O cristianismo sugere-nos isso: um deus que quisesse compreender-nos teria que encarnar para, um dia, morrer. Houve um que tentou mas, não gostando da experiência, teve que ressuscitar.

Gostava de poder ajudar dizendo coisas bonitas mas não sei. Porque não sou deus, fico solidário com a vossa dor. Porque compreendo-a.

P disse...

Um abraço.
P.

Maria Carvalhosa disse...

Querida Mafalda,
Sei que entendes que, se me tenho mantido em silêncio em relação a este assunto, não é por negligência, nem por propositada ignorância do mesmo. A verdade é que, de cada vez que aqui venho, tento escrever e não consigo. Hoje decidi deixar-te apenas um abraço amigo, simbolizando a solidariedade e a amizade que sabes sentir por ti e pelo teu amigo.
Um beijo de profundo carinho para ti, que tu lhe transmitirás de entre as muitas formas que, tenho a certeza, vais encontrando para lhe amenizar o longo sofrimento que, no seu caso, antecede a tão dolorosa partida.

bettips disse...

A pena que a vida nos traz e nos leva. Todos passamos por isso, duma maneira ou de outra, com alguém.
Como o sal. Queima. Sempre o sal: até o tempo ir passando.
Há tempos que não te via e fez-me mágoa passar agora.
Um abraço amigo.

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Continuo a não te esquecer. E se a nossa presença aqui te der força, virei visitar-te as vezes que forem precisas.

Um beijinho

Anónimo disse...

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Queridos Amigos,

Após uma longa pausa estamos de regresso!

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Isabel e José António